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sábado

Diário de Bordo I - Natal

Alguém me perguntou ontem no msn: "Dinho, porque Natal?"
É uma pergunta simples, que revela uma curiosidade simples: porque especificamente a cidade de Natal.
Nessa linha, desperta outras perguntas. Poderia serMaceió? Cuiabá?
E, já que estou no Rio, onde as favelas tem mais habitantes que muitos municípios brasileiros - estamos falando de centenas de milhares de pessoas - se eu quero estudar os fenômenos sociais relacionados à favela (já que estou inserido nesse contexto no Rio de Janeiro) não seria melhor tomar um ônibus de R$2,40 e ir no Complexo do Alemão ou no Complexo da Maré,onde já tenho muitos contatos e experiências?
Minhas respostas na rede devem ser criativas e provocadoras. Provocar novas idéias e caminhos. Porque descobri que tenho no meu círculo de relacionamento pessoas criativas e provocadoras. Pessoas que me motivam a ser criativo, a pensar mais, a falar mais. Sou privilegiado.
Portanto, a resposta a essa pergunta tinha que atender de forma mais ampla.
Não existe apenas uma resposta, existem várias. Eu vou dar algumas, outras, não. Mas, nenhuma delas está relacionada com fazer turismo aqui, ou o sol ou as praias dessa cidade. De fato são belíssimas, passei de carro pela orla e vi, mas, definitivamente, praia de nordeste não é o que me  motiva juntar economias e vir.
Esse sentimento, que de forma alguma é de desprezo às belezas locais, deve estar inconscientemente relacionado com essa impressão que tenho de que, no Rio, temos tudo que precisamos, para o bem e para o mal.
Que, em termos de cidade, história, pessoas e problemas, já temos tudo, até exportamos para as artes o que somos. E poderíamos ser personagens de uma novela das oito, com seus esteriótipos e reducionismos roteirísticos soap opera de quinta categoria e núcleos com seus respectivos protagonistas.
Temos o núcleo dos milicianos, dos políticos,dos evangélicos, núcleo dos PMs, dos ativistas, das ONGs, dos artistas, jornalistas, e alguns de nós até se esforçam pra serem vistos como personagens.
Seja a leitura que fazem de nós no "Tropa", seja na cobertura das operações policiais, seja no filme de animação de Carlos Saldanha, seja no de Vin Diesel, seja no Call of Duty (jogo de ação que tem uma versão dentro de uma favela carioca), acho que estamos todos, cariocas, debaixo de muita pressão da mídia, dos olhos do mundo, no meio do furacão.
Somos, como diria alguém, "a cidade do momento".
Vivemos nosso dia a dia para entreter alguém que, do outro lado, se deleita num pacote de 3kg da mais insossa e gordurosa pipoca, ou com um joystick na mão.
Penso que estamos tão devassados que nossas reações não estão calibradas. Estamos, no Rio, surtados. Tudo que fazemos pode virar filme - e o pior é isso! - pode virar mesmo, e estamos carregados de dramaticidade e ilusão.
Qual será o próximo grande personagem de sucesso de bilheteria? Quem vai virar o filme da vez? O menino-repórter da favela? Os mediadores? Um novo Cap. Nascimento, que dessa vez volta à ativa no melhor estilo Rambo 4, velhão, e decide virar comandante de UPP e promover a Terceira Guerra Mundial, alimentando o imaginário de vingança contra os pobres - por serem pobres - com patrocínio da Petrobras e Lei de Incentivo à Cultura?
Eu tenho uma lista aqui de nomes, desde Escadinha, na década de 80, até você, de pessoas que podem da noite pro dia virar o próximo filme.
Putz, falei Escadinha. Pronto. Aguardem 6 meses.
Se você acompanhou essa minha linha de raciocínio, mesmo que discorde em uma parte ou outra, quero que entenda que, para que eu compreendesse a gênese de alguns fenômenos relacionados ao tráfico de drogas, ao consumo, à reação da sociedade e do governos, eu precisava ver uma favela num estágio inicial ou de menores proporções, num lugar onde o glamour local não esteja relacionado à narco-cultura.
Tinha de ser um lugar fora do eixo RJ-SP, porém, um centro urbano, com atrativos locais que pudessem ser considerados produtos de consumo turísticos, para onde afluem pessoas de todo Brasil e exterior.
Pensei no Sul e no Centro Oeste. Mas, faltavam vários elementos. Eu queria a presença da praia e favela, mais contrastes, encontrar na mesma cidade zonas de muita riqueza e muita pobreza, que se relacionam geograficamente.
Além do mais, Centro Oeste é rota de tráfico de vendas no atacado. Não era o que eu queria.
Vitória, não. Pernambuco, não. Ambas possuem muitos projetos sociais, não estão no estágio que eu queria. João Pessoa não. Mora muito rico, os crimes são relacionados à contravenção. Ainda não era o que eu queria.
Bahia, não. Não tenho conexões suficientes lá, para ser inserido em favelas.
Natal. Estudei a geografia da cidade e percebi que Natal tem semelhanças com o Rio. Possui Zona Norte, mais pobre que Zona Sul - onde estão muitas mansões, e Zona Oeste extremamente pobre e violenta.
Pronto.
Liguei pra TAM, há 1 mês a trás, e procurei passagens para um fim de semana, que era quando eu podia ir. Me informaram do feriado, e de uma promoção. Estava certo que as coisas tinham se encaixado. 

E se encaixaram.
Ontem, em Extremoz, um município de características rurais, tive contato com algumas pessoas importantes na minha viagem aqui. Foi num sítio, afastado da cidade, onde pudemos traçar estratégias e roteiros.
No meio do mato, vi pessoas morando em casinhas, próximas da areia, sem muros nas casas, muitas nas ruas, sentadas em cadeiras de balanço, sentindo o cheiro da praia que, aqui, é em todo lugar.
Conheci Neto, um católico, que é colaborador em ações locais com os franciscanos da Toca de Assis.
Tive uma tarde de sábado muito melhor que planejei, com amigos que decidiram me levar nas favelas, me apresentar pessoas que estão sendo protagonistas aqui, isso tudo no meio da roça, do capim, do café fresco, e com uma sensação de estar fazendo o que acredito.
Agora, ás 5 da manhã de sábado, estou me preparando pra ir conhecer Kelly, que coordena um projeto na favela do Japão, na cidade de Natal, e é estudante de Ciências Sociais da UNIP.
Quero conversar com ela, entender sua história, sua relação com os traficantes locais, que são poucos porém violentos e suas expectativas.
Quero entender a gênese.
Enquanto estou aqui, penso em todos que estarão no PAZcoa no Alemão. Queria estar lá.
Queria ver minha rapaziada sorrindo, feliz de estar se sentindo útil. Quem trampa na favela, faz primeiramente pra se sentir útil. Pra recuperar a autoestima.
Pra não deixar acabar o pouco que nos restou de humanidade.

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