A Maré conquista cada vez mais importância na cidade, pela produção cultural, de conhecimento, de redes e mobilização. A Maré não é uma, são várias. As Marés.
A riqueza cultural e as diferenças de expressão em cada uma das 16 favelas que compõem a Maré são nítidas e perceptíveis, quando transitamos por lá. Manifestações ainda invisíveis para cidade, mas vários nomes e coletivos já causam impacto. De lá vieram AF Rodrigues, Naldinho Lourenço e tantos outros fotógrafos formados no Imagens do Povo, projeto criado por João Roberto Ripper; Cadu Barcellos, Jefferson Vasconcelos e Renato Cafuzo, que desenvolvem trabalhos individuais reconhecidos no mundo inteiro e projetos coletivos como o Palafita e Funk Club RJ, só pra citar o mainstream de um grupo muito maior.
Instituições como Observatório de Favelas, Redes da Maré, CEASM, Ação Comunitária do Brasil, Usina de Cidadania contribuem para formação de novas redes de juventude a cada ano.
Na Maré, existem lugares onde a cultura nordestina é mais observada, em outros as influências cariocas do Funk, grupos ligados ao movimento LGBT, grupos de teatro, dança contemporânea, street art, todas essas variantes encontram públicos e produtores locais engajados, que saem do discurso panfletário e limitado da esquerda acadêmica frustrada, que posiciona a favela como elemento integrante de um discurso de classes, como uma engrenagem política - discurso enjoado, improdutivo e ultrapassado, que posiciona a favela sempre como "vulnerável", sempre carente, e empodera lideranças centralizadoras.
Um clipping sobre as atividades culturais da Maré nos últimos 2 anos vai revelar um significativo aquecimento das redes. E a Maré tem uma vantagem: Ela recebe os moradores da Zona Norte, do subúrbio, com muita simplicidade, sem os tradicionais obstáculos míticos existentes em outros lugares. Isso aumenta as trocas de informação, de experiências e faz com que outros movimentos cresçam. O exemplo disso é a cena Rock na Maré. Fortíssima, organizada e com vários grupos chegando na cidade, como por exemplo o Algoz.
Mas, uma coisa que podemos observar esses dias é a auto-mobilização da juventude.
Já acostumados com as ferramentas de mídias sociais, os adolescentes mareenses partem pra briga de forma autônoma, criam projetos, se articulam muito rapidamente, de maneira leve, eficiente, sem patrocínios de estatais e empresas de petróleo, e fazem o que ninguém ainda fez.
Jovens como Pedro Cruz, Mayara Donaria, Adriana Diah, Elymara Cardoso e Allan Farias, que organizam o primeiro FlashMob da Maré, em pouco mais de um mês, para, através da dança e da cultura, chamar a atenção da comunidade para as eleições e mostrar os problemas locais enfrentados na comunidade.
Se organizaram sozinhos, sem recursos, sem clientelismo, sem paternalismos, indo onde outras lideranças não foram, porque juventude tem compromisso com seus desejos, não com politicagem.
Não se formaram em lugar nenhum, não esperaram "ficar prontos" para agir, seguindo a cartilha de coronéis de ONGs que não sabem a diferença entre um Twitter e um Pinterest.
Isso se chama empoderamento. As redes se formando por si mesmas e chegando com sua mensagem, curada na vivência, não pelos doutorandos e intelectuais perdidos em eternas conceituações e biografias que me causam fastio.
Sem ideologias órfãs, sem ranços dos discursos nascidos e "morridos" no século 20, surge uma nova geração de pessoas que se organizam por si, que desafiam a história, e que não tem medo de errar: porque são jovens.
É um momento incrível, revelador e provocador. A Maré dos novos, das redes, do FlashMob, sem medo de ser feliz, ingênuo, livre.
Aos poucos, percebemos também a aproximação do governo, que não vai permitir que uma região tão rica, tão producente, não seja "pacificada", e produza mais que muitas outras onde as inoperantes UPPs se instalaram. Além disso tudo, a Maré é território conflagrado. Prova de que UPP não quer dizer nada. A visita do primeiro-ministro britânico ontem à Maré, e não ao Alemão, parece querer dizer algo, uma vez que a última visita de um representante inglês ao Rio foi no Alemão.
Não duvido que Cabral-Paes tenham interesse na Maré.
No momento, só não sabem como entrar. Porque a Maré tem seus fotógrafos, intelectuais, ativistas de direitos humanos. Pra entrar ali, não tem Marinha que possa.
Tem que ser na ideia. E bota ideia nisso.