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terça-feira

A música, o batuque e a vida que segue.

Nasci crente.
Tá certo que nunca fui um bom exemplo de crente, no entanto, é bem verdade, já vi piores.
Me tornei crítico de tudo vindo da igreja evangélica quando percebi as montanhas de dinheiro que entravam, dia após dia, nas congregações. E nada, absolutamente nada era feito pra mudar a realidade das favelas - onde muitas igrejas tem seus templos.
Na década de 80 era um tal de "vamos mandar ofertas pra África", como se a Maré não existisse, o Juramento fosse um condomínio de luxo e a Rocinha fosse a Vieira Souto. Tanto dinheiro pra África e nada pra cá.
Com a explosão do mercado fonográfico evangélico, fiquei num dilema: Ouvia? Não ouvia? Anos passaram e vieram as toneladas de repetições, exaustivas, do que chamam de Adoração, Adoração Extravagante, Louvor Profético, e seus derivados intermináveis. 
Me dediquei a ouvir um cara de Campinas chamado João Alexandre. Eu era músico de igreja e precisava de referências. Ele, Jorge Camargo, Guilherme Kerr, todos traziam música de qualidade e temas que me fariam pensar sobre minha ética cristã com a sociedade por toda juventude. Música "linha-dura", de uma "esquerda" evangélica.
Passei ao largo de tudo que Line Records, MK, e outras gravadoras evangélicas fizeram nos últimos 20 anos.
Até que um dia, em Vigário Geral, conheci Fernanda Brum. Digo, conheci pessoalmente, porque já conhecia o som dela, e seu marido que, na adolescência. frequentou por pouco tempo a mesma igreja batista que eu frequentava, em Madureira.
Achava Fernanda radiofônica. Música de rádio, chiclete. 
Numa manhã em Vigário, me aparece ela conhecendo o trabalho do Grupo Cultural AfroReggae. Na mesma manhã que conheci uma de suas produtoras, Rebeca Kessler. 
Já tinha um conceito sobre ela, e a achei mais exótica ainda. Uma roupa colorida, um cabelão, naquele calor.
É estranho conhecer alguém, depois de ter feito por anos uma imagem. É curioso ver que as pessoas podem ter mais a dizer do que o que você pensa. E no fundo, é disso que são feitos os relacionamentos.
Olhei nos olhos dela e nos falamos por alguns minutos. 
Terminei meu almoço, calado, pensando se realmente sabia quem era ela.
Só não explicar, até hoje, porque achei Fernanda tão diferente do que pensava. Ela não parou pra me dizer: "Dinho, linha-dura. Eu sou legal." Nem leu teses sobre como a igreja evangélica deve se aproximar das realidades sociais. Ela não fez nada. Apenas conversou.
Senti uma coisa boa. E foi só. Talvez fosse esse o sentimento que alguns tinham no passado, ao conhecer certo homem de quem tanto se falava. Apenas estando perto dele pra saber. Penso que, como pessoa inserida dentro desse contexto de cristianismo, talvez tenha passado por uma experiência semelhante.
O tempo passou, e até onde pude fazer parte desse clipe, convivi com uma pessoa que sempre me chamava atenção. Fernanda é simples. Fala do ser humano, não como um fã, ou comprador de seus discos. Quando a ouvi falar da crise no Complexo em novembro de 2010, vi uma pessoa, de verdade, indignada. Não correspondia ao esteriótipo de cantor evangélico. Também, não me parecia ser uma personagem. A palavra de Fernanda é muito objetiva, seu pensamento muito claro, ela conhece e sabe bem onde a igreja poderia atuar mais, onde o terceiro setor poderia aprender mais. 
Daí, depois de um tempo, comecei a achar que ela poderia falar mais sobre isso.
Mas ela fala cantando. Esse é seu papel.
A vida nos levou pra rumos diferentes. Infelizmente, não pude ir nas gravações do clipe. 
Ao ver as imagens, algumas perguntas que faziam anos que moravam na minha cabeça, foram respondidas. Ver Fernanda em Vigário, no Complexo e na Selaron me deu uma paz muito grande. Há pessoas que ainda se importam. Existem pessoas que pensam no agora, so invés de se embebedar com o Paraíso. Que olham para o lado, ao invés de fechar os olhos em sua adoração. Que se fazem brasileiros, não cópia "gospel" do que os americanos enlataram. Que levam milhares de olhares para a favela, onde trabalho, não sei se bem ou mal, mas trabalho. E trabalho porque acredito, sequer pago minhas contas com isso.

Talvez nenhuma mensagem tenha me impactado tanto nos últimos anos. Torço para que as pessoas vejam, para que a igreja se posicione, que o Jesus cheio de compaixão que pregam venha a favela, não para pedir mas, para dar. 

Já vi e vejo ainda muita coisa na vida, difícil até mesmo de relatar. Mas, sou feliz por ainda conseguir ver a profundidade de mensagens como essa. De uma cantora além do microfone. De uma música além do batuque. Da vida, que segue, espero, para dias melhores.

Parabens, Fernanda, Emerson, Kessler. Pelo menos a minha vida, se vale alguma coisa, vocês alcançaram.
De coração, Deus abençoe.

5 comentários:

  1. http://ondeoventofazacurvalagoinha.blogspot.com/

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  2. Parabéns!!!
    que Deus abençoe a sua vida, e que com as suas palavras vc consiga abrir os olhos para o verdadeiro significado da palavra CRISTIANISMO.
    Seja agraciado por Deus

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  3. Hoje pela manhã, me vi fazendo um comentário com amigos. Não conseguia me imaginar, andando no teleférico da Vila Cruzeiro, e a noite vendo esse clipe percebi o erro do meu comentário. Se mesmo depois da oculpação feita pelo "3poder", não me via com coragem para ir até lá, mas novamente me pego pensando , em quem tem o verdadeiro PODER de transformar o que no momento me trazia aquele receio. Me vi como uma igreja que hoje no Brasil tem transformado se pouco ou quase nada vidas de jovens, que vejo todos os dias morrendo pelas vias das drogas. Lembro das palavras de Paulo, quando se referia a poder todas as coisa em Cristo, pois era nessa força em que Paulo se erguia. Como um agente de DEUS nessa terra quero fazer mais do que simples orar, mas mostrar o PODER que existe na PALAVRA que pode gerar verdadeiras mudanças. O clipe da Pr Fernanda, mostrou-me o PODER que existe na palavra de DEUS, que esta hoje para mostrar quem é o PODEROSO DEUS!!!

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  4. "Da vida que segue, espero, para dias melhores."

    Acho que há uma palavra que só digo pra você nessa vida: Bravo.
    Bravo, amigo.

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  5. Esteriótipos. Vivemos criando rótulos pras pessoas. Ainda bem que surgem algumas chances de mudarmos de opinião. E isso é surpreendente!
    Obrigada por compartilhar esta experiência.
    Todos os dias tenho lutado, de uma forma ou de outra, pra conscientizar que ajudar ao próximo pode ser aquele mesmo que está bem mais próximo do que imaginamos, como por exemplo, a um oceano de distância.
    Essa é a vibe. Força na luta, Deus seja contigo!
    Beijos!

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