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terça-feira

As histórias que não entram nas biografias vitoriosas.

Abrir um negócio ou liderar um projeto não é definitivamente pra qualquer um.

Há setores em que uma boa idéia basta. Há setores que, além da boa idéia, um bom sistema de gestão é importante. E assim por diante. Há setores que até a vida das pessoas envolvidas conta.

Mas, não há uma banca examinadora. Não há, muitas vezes, uma análise criteriosa, segura.

Então, a idéia, a gestão, a empresa, podem ser ótimas. Mas, quando existem muitos interesses em jogo, das duas uma: Ou você muda de área, ou muda de idéia. Porque, mudar de vida não resolverá.

No terceiro setor, tenho tido, todos os dias, grandes e boas experiências. Elas acontecem em sequência, porque a idéia, a gestão e o planejamento estão bem fechados.

Mas, acredito que apenas na política, exista uma área tão ruidosa, tão densamente povoada por interesses de natureza pessoal, tão orientada por especulações e boatos, como o terceiro setor.

Muitas histórias não entram na biografia de uma marca, de uma empresa. Aqui, registro algumas que tornam quase impossíveis coisas que seriam, em outras circunstâncias, mais simples.

Por exemplo, a influência. A presença de uma pessoa influente que, com um estalar de dedos pode alavancar ou destruir uma idéia. Influência existe em todo lugar. Mas, no Rio, sobretudo nos assuntos relacionados ao terceiro setor, essa característica tem dividido pessoas em dois grupos: Os insiders e os outsiders. Tudo determinado pelo nocivo critério de quem fala o quê de você. Baseado no humor, no interesse bloquear suas idéias, na sua história, em impedir a "concorrência",  os motivos são tantos que chega ser difícil listar.

As variantes são infinitas. Então, um grupo vasto de pessoas, que deveriam ser as primeiras mais informadas sobre tudo que acontece ao seu redor, sucumbe ao medo de ser ou não aceito pelos "ômi". E nisso tudo, interesse financeiro, de projetos, dinheiro, muito dinheiro, que compra opiniões, promete o paraíso, forma grupos.

Não há imparcialidade. E isso em lugar nenhum. Não há quem possa levantar a mão e dizer: Nós somos absolutamente imparciais.

Há tosquices. Chefes que usam seus empregados como buchas, usam pessoas como peças de um tabuleiro de xadrez onde o que importa é estar na frente dos demais. Eu sei. Parece desabafo. Parece cifrado. E é.

Você tem que se preocupar com o morador que não pode falar que o Estado mente nas ocupações, com o outro morador que fala mal do primeiro morador por não falar e aquele, que fala mal deste porque fala. E ambos, que falam mal dos outros moradores porque estão na mídia, e um rancor silencioso no meio do processo, que várias coisas que deveriam ser resolvidas com um diálogo sincero não se resolvem.

Você tem lideres sabotando carreiras de pessoas, por emalis, fechando círculos de relacionamentos, exploração da ingenuidade, exploração dos meios de influência, exploração da imagem.

Tem o deslumbre do público, praticamente entorpecido pelo que vê na TV, tem a ignorância de diretores de empresas, que investem em projetos que seriam ótimos 20 anos atrás e hoje são apenas mais do mesmo.

Tem um ódio circulante, uma batalha de egos, uma crise geral de propósitos, uma necessidade de mostrar sempre um lado bem sucedido das ações, como se as favelas fossem bairros de Frankfurt ou Mônaco.

Todos, sem exceção, podemos tirar o corpo fora e dizer que apenas  o outro faz isso, mas, todos participamos em algum momento desse sistema.

Eu já vi tanta coisa, dita sobre os outros, dita sobre mim, tanta coisa estranha, que me pergunto se o que fazemos é realmente o bem. Porque, não pode vir algo bom do que é, em sua natureza, ruim.

Então, além de batalhar todos os dias por patrocínio, você ainda precisa realizar mil e uma batalhas que envolvem as demandas, os interesses, a cabeça de cada um.

Vencer essa onda é o desafio.

E por isso, desistir pode ser o caminho mais sensato. Entendo quando pessoas me ligam dizendo isso. Entendo mesmo porque dizem.
Uma lanchonete dá menos trabalho.

Há uma crise. Uma crise coletiva, de propósito. Um país com cerca de 200 mil ONGs e abrindo mais a cada dia. O que mais tem nesse país é ONG, Sindicato e Igreja. Isso mostra que há algo errado conosco, na forma como nos organizamos e queremos sanar os problemas que nos cercam.

Elegemos heróis, formamos milícias sociais, gangues, e nos importa muito que todos saibam que somos nós que fazemos isso ou aquilo, porque "isso" chama apoio, dinheiro, status.

Mas essa crise de propósito é tão grave que nos faz esquecer que na ponta estão populações faveladas, abaixo da linha de pobreza, engrossando o número de 800 milhões de favelados no mundo, pessoas sem voz, pessoas sem capacitação para o mercado e que apesar de tão miseráveis dão lucro altíssimo para tantos outros.

Como a exploração da seca no Nordeste, na década de 70 e 80. Há sempre quem lucra patacas com a miséria. Mas, isso nem é novidade. Nem denúncia. A questão é mais profunda, para o fundo mesmo. É sobre o propósito de cada um quando decidiu trabalhar nesse setor. É sobre a pureza do caminho, sobre a ética nas relações, sobre a legitimidade do trabalho.

Então, a discussão é existencial? Em parte, sim. Não tem como você querer mudar nada nesse mundo se você não começou uma revolução dentro de você. Se você não mudar, não vai mudar nada nem ninguém.

Boff insiste na redefinição de valores, em prol de um mundo justo. Redefinir família, por relacionamentos abertos e verdadeiros. Alguém pode ser o irmão que você não teve. A mãe que você não tem. Você pode ser alguém para alguém.

Dentro de uma perspectiva do acolhimento, e do que realmente estou fazendo da minha vida, é que deixo as idéias virem como um turbilhão, para fora, cada dia.

Enquanto há poeira no ar, prossigo. Trabalhando, pouco e sozinho. Refletindo muito sobre tudo que não quero me tornar.

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